quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O dia de hoje

Todos os dias analiso minuciosamente os jornais Expresso e Público e a revista Visão. Não sou uma "news freak" mas gosto de me manter informada e, se tenho a possibilidade de o fazer apenas a um clique de distância, há que aproveitar.
Hoje deixo aqui uma pequena análise da notícia que mais me marcou:

"Sida, nova vacina poderá estar disponível em dois anos"

Os meus amigos de secundário nunca compreenderam a aversão que tinha pelas drogas, por mais "normais" que fossem. Nunca aceitei bem o tabaco, o álcool e o café (apesar de ter sido uma consumidora compulsiva deste último em tempos idos) e tinha um medo enorme das outras drogas. Nunca fumei um charro na minha vida e sempre temi pelos meus amigos que o faziam. A juventude chamar-me-á estúpida, retrógrada e "betinha". Não o sou, nunca fui. No entanto, na minha família já sofremos muito com essas coisas tão "banais", como a maioria dirá.
Tenho três tios do meu lado materno, todos mais velhos do que a minha mãe - a diferença de idades é gritante. Cada um "perdeu", momentaneamente ou eternamente, um filho para as drogas. Não se iludam, ninguém começa a "mandar para a veia". Nunca ninguém acha que vai ficar viciado. Aquilo não "faz bem à saúde". Aquilo não é um "produto natural". Os outros chamam-me antiquada mas até testemunharem um familiar vosso a ressacar, nunca poderão compreender a revolta.
Dois dos primos que "perdemos" para a droga nunca foram muito chegados. Contudo, assisti à luta de um pai que usou todos os meios ao seu alcance para salvar a sua filha, assisti a uma irmã que teve que passar de tia a mãe para que a sobrinha tivesse uma infância (algo tão banal como isto, ter uma infância normal, sem dramas de adições), assisti ao sofrimento de uma mãe quando perdeu um filho e à luta diária que trava para se manter ocupada, para não se lembrar desse vazio que fica quando se perde um filho para as seringas e para o vício.
Se nunca fui muito próxima destes primos, o meu não aconteceu com o meu primo R. Esse fez parte da nossa infância. Tanto o meu primo R. como o meu primo J. passavam os Verões cá em casa. Recordo-me de brincar com ele, de como o meu mano adorava o primo R., que tinha uma colecção fantástica de filmes de terror, e recordo-me, infelizmente, dos primeiros sinais.
Fomos "clínica de desintoxicação" quando ele precisou, a minha mãe foi psicóloga/médica/assistente social daquela família e chegámos a perdê-lo, durante meses, para uma prisão no Montijo. Não, não foi algo fácil, algo "leve" ou que se esqueça. São pessoas que nos são queridas e que agora vemos limitadas, física e psicologicamente.
Era um jovem, com um coração fantástico, que se perdeu. Às vezes as coisas são tão simples e lineares como isto: uma escolha mal feita. Vendeu o que tinha em casa para consumir, "consumiu" o espírito duma mãe sempre alegre mas, no entanto, no meio de tantos caminhos errados e escolhas incorrectas, conseguiu, porque Deus encarrega-se de equilibrar sempre o Mundo, criar um ser fantástico e que nós adoramos com todo o nosso coração: o meu pequenino!
Custa ver o nosso primo naquele estado, custa passar por ele de carro e ele não nos reconhecer (ainda me dói quando penso no meu pai a dizer-lhe: "R., é a Patrícia, não a reconheces?") e custa, mais do que alguém possa um dia imaginar, ter medo da doença, deixar que esse medo tome conta da nossa cabeça, deixar que eles nos afaste porque sentimos que se ficássemos por perto iríamos à loucura. Dói ser frágil e fraca a este ponto... Dói e é um arrependimento que carregamos diariamente e pelo qual pedimos perdão vezes e vezes sem conta.
Nenhum deles era "má pessoa", não o mereciam (como ninguém merece), foi toda uma família afectada, uma geração arrastada para esse flagelo (como já dizia a mãe dum amigo meu), foi todo um pesadelo que desabou sobre as nossas cabeças.

Agora sobrevivemos, tentamos que as memórias do passado não nos martirizem no presente. Não é uma missão fácil, até porque, em alguns casos temos a imagem física, que nos relembra diariamente. Mas somos assim, feitos desta "massa", desta resistência...

E os meus tios? Foram pais excepcionais. A minha mãe foi uma tia sempre presente, um apoio indispensável e uma fonte de amor incondicional... No entanto, fica sempre aquele "gostinho amargo" de termos perdido aquelas pessoas, ainda que não definitivamente, para aquele mundo.
Não, não sou "betinha" ou melodramática. Nem todos caem, nem todos se viciam, nem todos morrem... Mas nós não temos "a lista" onde estão escritos esses nomes, nós não sabemos, por isso, mais vale não arriscar.

São estas coisas que nos marcam, que nos moldam. Não, não olhamos o mundo com a mesma leveza, não aceitamos um charro só porque é fixe ou porque todos o fazem... Essa leveza custa, em muitos casos, a vida.

Por isso, esta vacina soa-me a esperança, a liberdade e a um novo caminho... Não gosto de dizer "já vem tarde" porque "mais vale tarde do que nunca"... Que venha e que salve muitas pessoas!

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