sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A filha não-lamechas

Nunca fui uma pessoa afectuosa, talvez porque a minha irmã tenha sido uma criatura muito inteligente e durante a sua estadia na barriga da minha mãe tenha roubado todo gene responsável pela afectuosidade, talvez porque durante muito tempo julguei que os afectos fossem sinónimo de  fragilidade emocional. Teorias parvas, eu sei!
Nunca fui e cá em casa sempre se habituaram a esta forma um pouco estúpida de ser. Não é que não goste das pessoas mas sinto que devo amá-las em silêncio, guardar o imenso orgulho que tenho nesses seres que amo, dentro do meu coração. Certo é que as pessoas precisam de se sentir amadas, mas eu tenho algumas dificuldades - MUITAS - em expressar os meus sentimentos. Soa-me sempre a lamechas e parece-me que, em 90% dos casos, as pessoas encaram tudo com uma leveza que fica aquém dos meus sentimentos...
Sempre amei a minha família, por serem seres extraordinários e com uma capacidade ilimitada para amar e compreender. Sempre amei os meus amigos, que são tão poucos que conto-os pelos dedos de UMA mão apenas mas que estão sempre presentes. 
Perdi algumas pessoas que me marcaram e que contribuíram para eu ser a pessoa que sou hoje. Perdi um avô fantástico cedo demais, uma avó adoptada que tinha um orgulho imenso em mim - ainda hoje não me consigo ver com os olhos com os quais ela me via - e outras pessoas que povoam a minha mente, o meu imaginário e que me fazem companhia nas noites de insónias.
Sinto saudades do meu avô, dos gelados que comíamos na praia, dos rissóis de camarão, do facto de ele ser o único que acordava à noite para me ajudar quando eu estava com dores e de ser sempre a imagem exacta do que um patriarca, um Homem deve ser: recto, puro, honesto, amigo do seu amigo e capaz de nos fazer sorrir!
Lembro-me das tardes que passei enfiada naquele hospital - ainda hoje abomino o cheiro daquele piso - e de como sempre achei que iria curar-se e sobreviver. Lembro-me do "casaco do sindicato" e de como ouvia, logo pela manhã, o programa "Bola branca" agarrado ao rádio. Lembro-me do quão orgulhoso ficava sempre que alcançávamos algo e de como sofria com o seu Benfica. Lembro-me de como ficava chateado quando o nosso Simba decidia passear na rua e de como geria tudo com uma precisão inconfundível. Recordo-me do tique que tinha durante as viagens longas de carro e da sua assinatura tão perfeita. Lembro-me de quando partiu e de como isso alterou o nosso mundo para sempre... Tivemos, todos cá em casa, que reaprender a viver... Ainda hoje custa tanto...
Lembro-me da minha madrinha, da paciência que tinha para mim e para as minhas brincadeiras - mesmo quando já estava muito doente. Lembro-me de fingir que trabalhar em Wall Street e escrever nos inúmeros livros de contas que tinha no seu sotão. Lembro-me de quando adoeceu e do quanto chorei quando soube da sua partida... Ainda hoje sinto que foi cedo demais! 
Depois tenho que me recordar da minha Lolita. Aquela senhora fantástica que tinha um orgulho enorme em mim, mesmo quando o mundo teimava em mostrar a minha normalidade e banalidade.  Lembro-me da sua "loja", que eu desarrumava tão fenomenalmente. Lembro-me do champô de ovo que ela usava. Lembro-me de me fazer todas as vontades. De matar formigas com lixívia e de como embrulhava as prendas em papel e palavras de amor. Lembro-me de a ver chorar ao lado da minha mãe no primeiro dia que fui para a faculdade e de como ficou preocupada quando me viu chegar doente. Dizia que o meu olhar estava estranho, pelos vistos, os olhos são mesmo o espelho da alma. Lembro-me de chegar de Évora e comprar um cravo vermelho, por todas as razões que faziam todo o sentido, e de o colocar sobre o seu peito. Lembro-me de escrever as palavras que o meu coração gritava na última homenagem. Ainda hoje sinto que duas avós são poucas e que, por isso, aquela "avó", ainda que emprestada, me fazia muita falta.
Nunca fui uma rapariga afectuosa, essa é a verdade, esse é o meu maior desgosto. Porque as pessoas marcam-nos, ensinam-nos coisas que não aprendemos em livros, ajudam-nos a crescer e tornam a nossa personalidade algo fantástico. Por vezes, imagino o que seria da minha pessoa sem estas influências, este amor e penso que seria uma pessoa detestável. 
São estas pessoas que nos moldam, que nos ensinam e que nos transmitem os verdadeiros valores. São estas pessoas que nos tornam Seres Humanos completos... Por tudo o que sou, por tudo o que serei... Mosaico do que vocês me deram... Sempre que escrevo, sempre que conquisto algo... Vocês estão ao meu lado!

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