quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Da loucura e afins

"Há loucuras que nem um comprimido consegue curar"

Sempre fui uma criança alegre. Aquele tipo de criança que sabe sempre uma piada engraçada, que entretém os outros e que presenteia os que a rodeiam com um sorriso. Sempre fui uma criança simpática e, um pouco, a "palhacinha" lá do sítio...
Mas todos crescemos. E, por vezes, aquilo que tomávamos como garantido, modifica-se radicalmente. Não me recordo do dia exacto em que tudo mudou, não posso especificar o momento quando senti a mudança e, por muito que me esforce, não consigo identificar o problema. Mudei... Assim, dum dia para o outro, como uma nuvem que agora está aqui e passado umas horas foi-se embora com o vento. Não houve trauma, não houve drama, só e apenas aquela, por vezes, desconcertante mudança.
As pessoas estranharam o silêncio, o isolamento, a súbita vontade de ficar calada vinda duma criança que sempre tinha querido falar. Aprendi a gostar do silêncio. Acho que até então não ouvia as pessoas, elas eram apenas uma plataforma para a minha própria expressão. Eu "usava" as pessoas para ser vista, para ser ouvida, para ser "notada".
Talvez por volta do secundário me tenha tornado essa pessoa mais recatada. Continuava a não medir as palavras quando falava - erro crasso, como muitas vezes a minha mãe me informou -, mas a vontade de falar tinha sofrido um corte tão grande! Temi muitas vezes este isolamento. Só quem não conhece a minha mente pode achar boa ideia eu ficar horas sozinha com os meus pensamentos. Sou algo entre Spielberg e Coppola, um ser que imagina mais do que deveria e que sofre mais com essa imaginação do que seria recomendável.
O silêncio chegou e com ele a selecção dos amigos, a vontade de não sair com muita gente e a relação cada vez mais próxima com os livros. Agarrei-me aos poucos amigos, sempre fiéis e presentes, e fui caminhando. Todos caminhamos, independentemente do caminho e eu também o fiz.
Recordo-me de dizer imensas vezes à I. que as palavras tinham um peso e um valor impensável e que não as devíamos proferir de ânimo leve. As palavras ferem, magoam, por vezes, matam.
Um dia, no meio do isolamento e da vontade de me encontrar, perdi-me. Fantástico esta forma que o Mundo tem de funcionar... Começou a loucura, aquela dura e desgastante - por vezes asfixiante - loucura. Recordo com nostalgia (porque a loucura no início mascara-se duma coisa tão fantástica, tão única, tão viciante) das madrugadas no Pocinho, dos inúmeros textos e de como conseguia ter deduções geniais (achava eu!) sobre os mais variados assuntos.
A principio, esconder, depois, sobreviver a ela! Nem tudo é linear, nem sempre as coisas são "brancas" ou "pretas" e, no meio desse período tão mau da minha vida, descobri o cinzento.
Foram meses de preocupação, foram dias de angústia para a minha família, foram confissões chorosas que fiz aos meus amigos mais próximos... Uns tentaram proteger-me, outros não sabiam como lidar com tudo aquilo. Eu já não era EU e eles desconfiavam, e bem, que tão cedo não voltariam a ver essa Patrícia que tinham aprendido a amar, a compreender. As pessoas mudam e todos nós temos um medo imenso da mudança.
Bati lá no fundinho, naquele fundo que todos tememos, naquele fundo que nos faz repensar a nossa vida, naquele fundo que nos muda o olhar e nos tira o fôlego. Bati nesse fundo e bati com tanta força que doeu.
Espalhei dor e sofrimento ao meu redor sem sequer me aperceber. E um dia chegou a consulta. Uma e outra. Palavras de esperança atiradas para uns ouvidos que não queriam ser reconfortados. Recordo-me do médico em Lisboa e de como achava que tudo aquilo era útil, mas não para mim!
E depois o Dr.J.H. chegou. E notei, pela primeira vez, que tudo aquilo era sério, perigoso.
Houve lágrimas e ranho, e demais coisas. Sessões intermináveis e uma consciência aguda, desde o primeiro aperto de mãos, que nada voltaria a ser como dantes. E a vida não mudou, aprendi a sobreviver, a "respirar debaixo de água" e a combater.

Poucas pessoas conseguiram salvar-me desta forma. Ainda hoje sinto que se tivesse ido um mês mais tarde, talvez não tivesse recuperado a normalidade da qual hoje usufruo. Houve qualquer coisa de fantástico naquelas sessões. No entanto, hoje não consigo encará-lo com a mesma normalidade. Admiti todas as minhas fraquezas naquele consultório. A primeira vez que atravessei aquela porta estava um farrapo humano... E sempre que ocupo aquele espaço, sinto o gostinho amargo que fica.

Ainda hoje tenho medo. Ainda hoje tenho tão presente o fundo do poço que, por vezes, quase que sinto as "nódoas negras". Mas caminhamos, é isso que nos dizem para fazermos quando somos pequeninos e é isso que fazemos uma vida inteira... Caminhamos! Podemos não saber o caminho, podemos nem gostar do caminho, mas caminhamos porque estar parado implica olhar para o que está errado e isso, por vezes, magoa tanto. 
Caminhamos e esperamos encontrar, um dia, aquela paz que leva os medos para longe. Dizem que vem com a idade, com a sabedoria da idade... Eu cá a espero!

P.S.- Para todos aqueles que tiveram que me ver no limite, para todos os que obriguei a baixarem os pés quando estavam numa conversa comigo, para todos os que me trataram como uma criança e me deram o mimo necessário para sobreviver, obrigada.

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